Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de 2012

O PLANETA DA FELICIDADE

Se eu mandasse no mundo e tivesse o poder que sempre me disseram Deus ter ordenaria: 1. Que a todas as bocas nunca mais faltasse o pão 2. Que outras bocas, as das espingardas, fossem para sempre caladas 3. Que fossem inapelavelmente vendados os olhos da injustiça geradora de iniquidade 4. Que dos ricos jamais nascessem pobres e vice-versa 5. Que se cultivasse a tolerância entre todos os povos, etnias e cidadãos 6. Que fossem criadas cidades de livros para que nunca mais houvesse um analfabeto  Se eu tivesse o tal poder que me ensinaram Deus ter, ah, seria um ditador! Obrigaria toda a gente: 7. A amar a Natureza 8. A ler O Principezinho 9. A semear uma flor, um arbusto e uma árvore 10. A desenhar o arco-íris e uma ave 11. A ouvir a Nona de Beethoven, um nocturno de Chopin e o Bolero de Ravel 12. A fazer um barco de papel e pô-lo a flutuar na  suave corrente de um regato de sonho Nestes casos, excepcionalmente, justificavam-se tais alíneas de intransigência para

CAIXA DE PANDORA

Atrais-me, fervilha-me a curiosidade Alguém disse: se a abrires expões o mundo a todos os males Mas a curiosidade é tanta e a febre pelo desconhecido imensa que não quero resistir Depois de todas as calamidades causadas pelo homem que mais poderá conter caixinha tão apelativa? Estou convicta que está cheia de mofa quando a abrir desatamo-nos todos a rir uns dos outros Será um riso pegado entre sábios, pretensos sábios e ignorantes entre prostitutas, mulheres sérias e menos sérias entre empresários e assalariados mais ou menos explorados entre o decoro e a sem-vergonha entre quem governa e os que se governam desgovernando entre reis e pretensos reis, porque a democracia já não é o que era ou nunca foi o que deveria ser entre os que lavam almas de pecado e as enodam para voltarem a lavar entre os que criticam, criticam, e nada fazem para deixar de criticar Face a tanta incongruência Chico no zoo, resolve-se com o escudo do costume: Não ouço, não falo, nem quero

REFLEXÃO

                                                        Quando estiveres a sós contigo                                                         Sob a imensidão do céu azul                                                         Abre da tua alma um postigo                                                         E olha em redor de norte a sul                                                         Verás                                                         A flor que procuraste a vida inteira                                                         Estava ali tão perto                                                         Mesmo à tua beira                                                                                                            Manuel Correia Fernandes

SÃO ESBELTAS AS ÁRVORES

                                                       São esbeltas as árvores                                                        que decoram os meus olhos                                                        Nelas, pássaro azul                                                        faz melodias de luzes                                                        O encanto almofada de pétalas                                                        o leito do coração                                                        Uma criança traquina                                                        corre por minhas veias                                                        O perfume de jasmim                                                        inunda-me de infância                                                        tão tranquilamente                                                        quanto inesquecível labrador                                                  

ASAS ALONGADAS

                                   No horizonte longínquo da minha memória                                    brilham asas alongadas                                    Serão de anjo que povoou sonhos da minha infância                                    ou do Pássaro de Fogo                                    que tio Zé Mira aos serões evocava no violino                                     ou ainda de garças-reais que admirava no sapal de Corroios?                                     Prefiro a indefinição                                     Pelo etéreo a superação à melancolia                                                                                                     Manuel Correia Fernandes

SANTO CIFRÃO

Que posso escrever senão sílabas acasaladas? Construo palavras Depois frases Todas elas já estafadas O ineditismo encontra-se em pré-falência ou moribundo Quem as quer ouvir ou ler? A imaginação não passa de um jacto supersônico cortando o espaço Pode deixar um rastro de alegria Ou um sulco de tristeza Não se dá tempo para a imaginação maturar A demência actual exige-a rápida mesmo imponderável Contemplar a beleza a estética o místico... Fontes de bem estar, um por maior e nunca um pormenor É pura perda de tempo No andor com multidão atrás, o ídolo, o santo padroeiro é o cifrão Acreditar que existe vida para além do cifrão É utopia ou fantasia de poeta                                                                                                      Manuel Correia Fernandes

POR UNA CABEZA (Inspirado no tango homônimo de Carlos Gardel)

Foto Net/Poema de MCFernandes Placidamente apresenta-se o sol matinal Tudo resplandece na minha querida Buenos Aires No vidro frio da janela, em meu bafo escrevo-lhe: ADIOS Em breve a justiça soará em minha porta E tudo, oh maldição, por una cabeza ! Frente ao espelho revejo-me precocemente decrépito Barba de sem abrigo, olhos afundados, lábios gretados de fracasso Pergunto-me: o que é feito daquele admirável contabilista reverenciado ou despeitado pela sua competência? O que é feito daquele homem esbelto granjeador de amores e ciúmes? De tantas mulheres da minha constelação vivencial logo o destino destinar-me-ia a estrela cadente da minha ruína Nos seus olhos ímpares, verde-indefinido, enleantes nos seus lábios carnudos, intumescidos de lascívia, eu me perdi Fui seduzido por joia rara e cara só possível de amar e preservar em leito de diamantes Depois, na longa loucura de estroinice entre noites e dias a taças de champanhe e tangos em nights clubs dos mais chi

TRIBUTO À ÁGUA

                                                                                                                                                 foto Net Ó água minha mãe ancestral que rompes sublime das entranhas da terra qual nascituro aclamado do ventre materno dá-me a tua benção! Ó água minha mãe ancestral que em cachos cristalinos te desprendes corajosa por vertentes serranas e te dulcificas no coração de rumorejantes ribeiros dá-me a tua benção! Ó água minha mãe ancestral eu vi-te conspurcar, vi-te maltratar, e nada fiz assim como outros, numa insensatez colectiva Porque sei que és vital sem ti morre a vida no planeta (quiçá, única no universo!) dá-me a tua benção dá-me o teu perdão! Ó água minha mãe ancestral libertei-me da letargia soberba da indiferença! Em ti me lavo, em ti me purifico Dá-me ó água a tua benção, o teu perdão Enquanto eu viver, serei um teu guardião!

OS MALUCOS DA BIOLÓGICA

imagem e poema de MCFernandes Era tão bom o l´argent cantante Quão agradável o tinir do vil metal E o que se podia fazer com ele, oh céus! Fatos de luxo carros de luxo mulheres de luxo hoteis de luxo... Oh, dolce vita!  Até que percebi para o buraco que abrira não havia argumentos nem subterfúgios para o tapar O inevitável O presidente em discreta reunião passou-me a pistola para a mão - É a única saída, para si e para o banco A copos de whisky arranjei coragem tirei as balas do carregador coloquei o cano no ouvido e premi o gatilho Um click soou. Parti Parti pela calada da noite para o estrangeiro Seguiu-se a expiação Fui: vendedor de tâmaras em Tanger engraxador de sapatos em Barcelona trolha em Montparnasse chauffer  de mafioso em Marselha nadador salvador em Biarritz Andarilho das sete partidas fui até cair nos braços de Bilú holandesa ecológica dos pés à cabeça Toda a minha vida prescreveu menos a minha vida com Bilú Retornei a este quintal da

POR FAVOR DEIXEM AS CRIANÇAS SONHAR

                                         Pintura de Fritz Zuber Buhlerg / Poema de MCFernandes Eu nasci pura, num mundo inquinado A minha boca era manhã risonha Depois, lábios de sangue Não tive tempo de ser menina fui obrigada a ser a melhor privada de brinquedos e afectos Face à tristeza espelho do meu sucesso o velho sábio a montanha mandou-me subir lá no topo senti-me pequenina mas feliz Agora sei que as rosas também choram e que os pássaros navegam p´lo meu destino Por favor mas por favor deixem as crianças sonhar

Sono REM

MCFernandes    Estranhos pastos alimentavam minha cabra Minha cabra era pesadelo que inquietava de berros meu sono Rem em berço de anjo Nos pastos de minha cabra tudo era árido Medravam cardos e cascas de caracóis desabitadas geradoras de sinfonias desbocadas quando o vento viril as penetrava Psicanalista questionou minha raça Tuaregue? Não confirmei Antepassados, só navegadores que morreram de escorbuto embalados por procelas e ladainhas das sereias de Homero Com tanto interrogatório desconexo passei a bater mal e a cabra passou a berrar ainda mais até que o segundo psicanalista apelidou de idiota o primeiro por escarafunchar hipotética descendência saariana Comigo estava tudo normal, afiançou Sacou de calhamaço  e mostrou-me foto de Freud todo nu e de costas, afirmando: nestes assuntos, o mestre é imbatível. Aliviado, fiquei a saber que a cabra de meus pesadelos era fracturante reflexo psicótico devido à minha re

CABELEIREIRO DE FLORES

O rosto borbulhento do adolescente Rudolfo denunciava fervor masculino Quando confessou que se masturbava visionando nudez de prima pelo buraco da fechadura foi penalizado com 30 pai nossos e 30 dias a cuidar do jardim da paróquia Deus escreve direito por linhas tortas Diria o padre Serafim Pois, então! Rudolfo revelara-se admirável jardineiro Com a tesoura na mão era cabeleireiro de flores de alto coturno Entusiasmado, o ministro de Deus sugeriu ao penitente que se guiasse pela inspiração com que o Senhor o dotara e que à tesourada moldasse nos tufos de buxo espaçados por álea de jardim figuras que à mente lhe ocorressem Acabada a obra: meu Deus! Exclamava o padre Serafim com olhos esbugalhados e a palma a tapar a boca de ÓS de espanto Em cada tufo sobressaía um pénis apontando para o horizonte ou para o firmamento Catarse encontrada por Rudolfo de modo a redimir-se de pecaminosas masturbações

Mais Teimoso Que Um Burro

 Meu avô tinha um macho mais teimoso que um burro mas, meu avô era mais obstinado que o macho Equacionando: o pai de minha mãe era um recalcitrante burro ao quadrado  Um dia, a teimosia entre ambos deu para o torto Meu avô azucrinou: - Seu asno, seu bastardo nado de escapadela de cavalo com jumenta! Ofendido na sua dignidade o mestiço retaliou com um par de coices Agora, meu avô na sala de estar depois de ler o jornal matutino na cadeira de rodas olha para a cabeça embalsamada do macho com a dentuça à mostra, e vitupera: - Seu bastardo, filho de burra galdéria!

Disfunção

Escrevi-te as mais lindas cartas de amor E tu respondeste com sins No mais fino branco dentário Entusiasmado construí castelo de antecipada fantasia Cheio de mistérios e sortilégios Ruiu num só golpe Quando o aríete da virilidade Soçobrou à porta da entrada para o céu Disfunção Cura-se com muita paciência Disse o especialista Era o que tu não tinhas Agora inspiro-me em Cristo Sigo pela via mística Mas sempre em sobressalto Pela hipótese de me encontrar Com uma qualquer Maria Madalena

HÁ CAMELOS NO CÉU, NA TERRA e TAMBÉM NO DESERTO

                                          Há camelos no deserto                                           Há camelos nas cidades                                           Há camelos nas aldeias                                           Em todas comunidades                                           Há camelos, muitos camelos                                           e também dromedários                                           primos dos camelos                                           Há camelos na televisão                                           no cinema, no teatro...                                           Onde reine exploração:                                           este bicho cordato!                                            De entre tantos camelos                                            Tratadores sem desvelos!                                            E outros?                                             Nem de