MCFernandes Dores traz-mas o vento E quando não mas traz eu as invento Daí, ficar atento Pensar que talvez Sem mais porquês Em esteira psiquiátrica Consiga saber Se entre o fígado e a ciática A dor que sinto é dor traumática
MCFernandes Com dedos de água Propus-te o reacender Da propulsão dos sentidos Elevando-os do sepulcro fendido por preconceitos Recusaste Preferiste estiolar sem a seiva fervente Congelando iminente incêndio do desejo Impedindo-o de deflagrar por vasos, veias, atérias Aprisionado a fria imagem espelhada
Foto Net / MCFernandes No clarão da manhã meu avô sentado Tece destinos inalcansáveis Sedentário, frágil de forças Apenas pode alcançar destinos já percorridos Pelos quais jazem todas as flores que resplandeceram nas suas caminhadas Mesmo assim, meu avô adoça sal cristalizado em seus olhos E tenta olhar para os vales e colinas da sua infância Porém, altos edifícios impedem sua visão Cortinados impenetráveis à sua recriação A custo levanta-se. Espreita pela janela Ainda lhe sobra o tecto que franqueia o cadeado da sua prisão: O imaculado céu azul Sirvo-lhe com afecto o pequeno almoço Num olhar embaciado de tristeza Desenha na boca sorriso de gratidão Pergunto-me sem atrever resposta: Se um dia chegar à idade do meu avô Poderei alongar meus olhos até aos lírios da minha infância?
Jaquim Manholas Vigia os touros Em tempos idos Do patrão louros Para tantas touradas Partiram manadas Distanciado Dos que afirmam cultura A um acto animal Que animal tortura Chama o Besouro Touro estimado Com festinhas no focinho Diz-lhe: estou do teu lado
MCFernandes Pela viela Soa uma guitarra Aperto a samarra Para amarrar o frio De um coração tão vazio No retiro De negro a cantadeira Fado palavra certeira Que abraça a saudade Da tristeza que me invade Retorno pela viela Barco vazio sem vela Apenas gaivota Tejo luar E um fado que fez sangrar Ferida aberta por sarar
MCFernandes Aveludada pata de elefante calca o coração da terra Pesado, monstruoso, o dedo que puxa o gatilho Troféus de sangue Na galeria de egos sedentos, insensíveis, soberbos, boçais Incapazes de pôr na mira o respeito fraternal pela Natureza
Imagem e poema de MCFernandes Nem o Pio de coruja é soturno Nem o adágio de Albinoni é pródigo de alegria Apenas simbiose de conveniências No limbo de entretenimento vazio, pueril e de encanto Tudo depende de como o sentimento traja na altura Qual padeiro amasso palavras de lava ou de gelo Levando-as depois ao forno da consciência Eu sei. Sei porque quiz reparar que a jovem Marta Vizinha do quinto andar Cozinheira envelhecida pela canga da família aos ombros Parte de casa pela madrugada e regressa à noite Sob o véu da obscuridade que lhe dissipa frontais traços de cansaço Dela não sobram notícias Apenas as que hoje faço soar Contrariamente, fulana X, namorada de alguém famoso É propalada nos canais TV em hora de ponta Porque em convés de luxuoso iate De entre ledos convivas exibe seios doirados Naturais ou cirurgicamente moldados Pela fulana X as TVs se digladiam ou se babam para a anunciarem E eu acho enorme piada Quando o apresentador proclama em tom solene: ASSIM VAI O MUND
Foto Net Amor Por que os pássaros de tão livres Não voam das nuvens para o céu? Talvez por não sentirem espadas no seu destino Ferindo o voo dos seus sonhos Amor Como eu gostaria que fôssemos como os pássaros Para voarmos em paz, livres, sem gaiolas
Foto Net Poema de Manuel Correia Fernandes Tomado o pequeno almoço despede-se da aurora de passeio ao infinito Mira-se ao espelho olhos de águia brilham das cavernas da idade Com dedos de seda alinha pontas de cabelo Nas maçãs do rosto toque de blush com saltito ao passado à idade do pó-de-arroz Toque de batom faz emergir desenho de boca desmaiada por beijos já vencidos Mira-se de perfil à direita, muito bem; à esquerda, melhor ainda Sorri acha-se a mulher mais catita do mundo sem hesitações proclama: VELHOS SÃO OS TRAPOS
Foto Net, Poema de Manuel Correia Fernandes Meu pensamento como os pássaros que voam Meu pensamento como as estrelas que brilham Meu pensamento num coração enorme Meu pensamento na paz de bebé que dorme Meu pensamento tão alvo tão puro mas tão imaturo para o amor que chegou mil sonhos arquitectou Temo meu pensamento que para tantos desvelos uma aurora dourada seja raiada de pesadelos
Foto Net Poema de MCFernandes A marcha do tempo É inexorável Por mais que tentemos Torná-la agradável Olhamos para nós Quanta inquietude Pelo divórcio da juventude? E na pele a marca d’água Por cada ilusão Pintada de mágoa Visível Invisível Nosso estado No coração tatuado
Foto Net Neste mundo tão agitado Anda tudo marefado Sem tempo pró surreal Subia ao Príncipe Real Desprendido de garrote Talvez com alguma sorte Vi jovem de trotineta E um porco de bicicleta Não fiquei abismado Nada me deix’espantado Faz temp’em ilha remota
Aquecíamos os pés, tu e eu Em noite gelada, em noite de breu Nossos pés se tocaram Dentro de nós calor intenso E agora não sei Se pertenço à noite Se a ti pertenço
Autor M.C.Fernandes Foto de Matt Hardy Um dia Quando a Terra parar A atmosfera rarear O último que ficar Dirá: Meu Deus, se for homem de fé O que fizemos? se for ateu Entre a última lágrima Lembrará mãe e pai Filhos, família Lembrará vitórias e derrotas Amigos de escola Quem o acompanhou vida fora Lembrará emoções então desvanecidas O aroma das árvores entre estações Cânticos do rouxinol e da toutinegra real Ao raiar e cair do Sol Lembrará seu primeiro emprego Seu primeiro beijo Seu melhor filme E partirá resignado com a As Time Goês By Canção do filme Casablanca Ao partir definitivamente Instante, antes, do discutido túnel escuro ou luminoso Sentirá a mão do seu primeiro amor apertar a sua
Foto de Elina Krima Se vieres vestido de silêncio, não venhas O silêncio entre amantes é uma violência subtil Geradora de vazios e distanciamentos irrecuperáveis Se vieres vestido de silêncio Por favor não venhas Prefiro continuar amparada nos braço da solidão Manuel Correia Fernandes